Um fenômeno que sempre esteve presente na Língua Portuguesa no Brasil (e em outras grandes línguas), mas que se tornou mais visível nas últimas três décadas: a invasão de vocábulos, sobretudo do inglês, na comunicação de determinadas áreas do conhecimento.
Sempre houve entrada de termos de outras línguas, mas hoje a Língua Portuguesa não consegue assimilar e adaptar os termos estrangeiros na mesma intensidade em que entram. E muitos desses termos são desnecessários, já encontram equivalentes no português – o que revela um certo sintoma de sujeição cultural exagerada diante de outra língua de porte mundial sem parentesco com a Língua Portuguesa.
Em vista disso, órgãos públicos de estudo e gerenciamento das línguas foram criados para pesquisar, compilar e divulgar os termos equivalentes para uso nas áreas técnicas e na língua comum. Só depois vieram as leis de uso desses termos prioritariamente nos órgãos e entidades da administração pública. Isto iniciou-se há quase meio século na língua francesa. E já há órgãos similares de ação para a língua espanhola e para outras, mesmo com menos projeção mundial, como o catalão, o norueguês e o holandês.
Tais trabalhos de promoção lexical permitiram a revitalização dessas línguas, tornando-as modernas, úteis e criativas, capazes de expressar hoje qualquer ramo do conhecimento humano. E no momento em que se redescobre a vocação internacional da Língua Portuguesa, cresce a preocupação com o conjunto de palavras da Língua em seus usos técnicos e específicos, diante do real risco de descaracterização e empobrecimento do vocabulário português.
Abaixo, um artigo de opinião do jornalista Gilson Barreto, publicado no Diário do Nordeste, de Fortaleza, que expressa a preocupação de quem no Brasil trabalha com a Língua “filha ilustre do Latim” diante da entrada escancarada de palavras – muitas delas supérfluas – vindas da Língua inglesa. E tal preocupação já mostra a necessidade de capacitar a Língua Portuguesa de instrumentos que a tornem também uma Língua apta e útil para expressar qualquer área técnica da atualidade.
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–– Mania de macaquear ––
Gilson Barbosa
do jornal Diário do Nordeste (Fortaleza, Brasil)
24 de março de 2013
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Não é novidade o fato de que há tempos as palavras e expressões em língua estrangeira – notadamente inglesa – invadiram o cotidiano dos brasileiros. Essa subserviência linguística está aí, presente nas denominações de sofisticados edifícios, de lojas reluzentes e até mesmo nas relações comerciais entre os cidadãos.
A Língua Portuguesa – “a última flor do Lácio, inculta e bela”, como diria Olavo Bilac (1865-1918) – diariamente é aviltada por invenções que, por absoluta ignorância ou falta de criatividade, acabam por atingir o idioma nacional, abalando suas estruturas e tornando-o estranho aos próprios brasileiros que deveriam exercitá-lo com orgulho, dada a riqueza de seu conteúdo.
Não foi por outra razão que o deputado federal Aldo Rebelo [do Partido Comunista do Brasil, por São Paulo], alagoano de nascimento, apresentou projeto na Câmara [dos Deputados], buscando reduzir a influência dos estrangeirismos no país. Por causa disso, o hoje ministro dos Esportes foi até ridicularizado por setores da imprensa, onde o colonialismo cultural encontra portas mais do que escancaradas. A mania de macaquear expressões e palavras alienígenas, totalmente avessas à Língua nacional, encontra exemplos no dia a dia de todos nós.
O intervalo para o café, nas reuniões, virou coffee-break. A entrega em domicílio, delivery. Um estabelecimento comercial não oferece mais 10% de desconto e, sim, 10% off. Há prédios, em Fortaleza, com nomes como The Place ou Green Tower, ou coisa que os valha. E a mais recente mudança imposta nos nossos limites geográficos é a mudança na denominação dos estádios de futebol, cujos nomes agora, por influência da FIFA, procuram copiar as arenas, stadiums e coliseums, como assim são chamados esses locais nos EUA.
Aqui sempre tivemos estádios, e nunca arenas, palavra que remete aos sangrentos sacrifícios humanos praticados na antiga Roma. Até mesmo a imprensa vem se rendendo à tal Arena Castelão, que, mesmo repaginada para a Copa, continuará sendo, para mim e tantos outros, o Estádio Castelão. Respeitemos o português tão rico de palavras! Valorizemos nosso idioma, procurando praticá-lo corretamente! Defendamos a Língua Portuguesa! :::
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BARBOSA, Gilson. Mania de macaquear.
Extraído do jornal Diário do Nordeste (seção Debates e Ideias) – Fortaleza, Brasil.
Publicado em: 24 mar. de 2013.
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Leia também:
• Sobre manifes e o tratamento de estrangeirismos – 24 de janeiro de 2013
• Estrangeirismos de estrangeirismos – Arnaldo Niskier – 30 de setembro de 2012
• Preparando o Português para ser a “Língua da ciência” – 23 de setembro de 2012
O fenómeno é tão comum no Brasil quanto em Portugal. Aqui ainda é pior, porque até já se passa por cima da Língua e se escreve e publica “ciência” em Inglês.