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A Língua que somos: o Brasil do nheengatu e das línguas indígenas – José Ribamar Bessa Freire

In Lusofonia e Diversidade,O Mundo de Língua Portuguesa on 26 de Agosto de 2013 por ronsoar Tagged: , , ,

Baseado na revista Terra Magazine, do portal Terra Brasil
25 de agosto de 2013

As línguas dos povos indígenas, como o nheengatu, influenciaram a formação lexical da Língua Portuguesa no Brasil, especialmente na região da Amazônia.
 

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O português, não apenas em seu uso ao redor do mundo como também tal como falado nas mais diferentes regiões do Brasil, apresenta peculiaridades que o tornam uma Língua rica e diversa.

Existem muitas palavras e expressões da Língua que são faladas, ouvidas e escritas apenas pelos brasileiros. Como “tatu”, “cutia”, “igapó”, “pororoca” e muitas outras. Essas palavras entraram e amoldaram-se aos padrões da Língua Portuguesa através do contato com as centenas de línguas e dialetos indígenas falados no vasto território do Brasil – contatos esses iniciados a partir dos primeiros anos da colonização portuguesa na América do Sul, no século XVI.

Dentre essas línguas, destacam-se os dialetos do tupi – então falado na maior parte do litoral brasileiro –, que fazem parte da família linguística do tupi-guarani. Os padres da Companhia de Jesus, enviados para lá pelo Reino de Portugal durante o reinado de D. João III (entre 1521 e 1557), estudaram as estruturas gramaticais desses dialetos ameríndios, reunindo-as em uma língua padrão de contato, chamada de “língua geral do Brasil”, ou de nheengatu.

“Durante dois séculos e meio, índios, mestiços, portugueses e escravos africanos trocaram experiências e bens nessa língua que se firmou como língua supraétnica, difundida amplamente pelos missionários por meio da catequese”, disse o antropólogo e professor José Ribamar Bessa Freire, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

José Ribamar Bessa Freire é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Esse estatuto da língua nheengatu durou até a metade do século XVIII, quando um decreto do Marquês de Pombal, o célebre secretário de Estado do Reino entre 1750 e 1777, determinou o uso obrigatório da Língua Portuguesa no território brasileiro.

Com isso, a “língua geral” passou por um processo gradual de desaparecimento, ficando praticamente restrita à região da Amazônia até a metade do século XIX.

Um fato curioso: durante a Guerra do Paraguai, o mais longo conflito armado da América do Sul ocorrido entre 1864 e 1870, soldados do então Império do Brasil vindos da Amazônia comunicavam-se exclusivamente em nheengatu; não compreendiam as ordens de seus comandantes em português, mas entendiam a comunicação de seus oponentes, os soldados do Paraguai que falavam unicamente o guarani, dada a proximidade entre as duas línguas.

Depois da guerra, o nheengatu ficou restrito a um pequeno número de falantes no Amazonas. “Outras línguas indígenas desapareceram sem deixar qualquer vestígio e quando uma língua que não foi documentada deixa de ser falada, é como se nunca tivesse existido”, disse Bessa Freire. “As cidades da Amazônia, entre elas Manaus e Belém, foram cemitérios de línguas indígenas, lá estão sepultados os últimos falantes de várias línguas extintas.”

Mas hoje, há uma preocupação cada vez maior em catalogar, proteger e revitalizar as línguas indígenas faladas no Brasil, para que não corram risco de extinção. O nheengatu, ainda hoje usado na bacia do Rio Negro, conta com leis e políticas para garantir a sua preservação.

O professor José Ribamar Bessa Freire escreveu um artigo na revista eletrônica Terra Magazine, do portal Terra Brasil, no qual relata a origem da “língua geral” e o esforço das autoridades brasileiras em garantir a presença desta língua que, ao lado da Língua Portuguesa e dos demais dialetos dos povos indígenas, ajuda a definir a identidade cultural da Amazônia brasileira. Trata-se de um testemunho em defesa da diversidade cultural e do multilinguismo também no mundo lusófono.  :::

Clique aqui para ler:
FREIRE, José Ribamar Bessa. Belém e Manaus são cemitérios de línguas extintas na Amazônia.
Da revista Terra Magazine, do portal Terra Brasil.
Publicado em: 25 ago. 2013.

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